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“A Pomba”: Uma atitude política

“A Pomba”: Uma atitude política

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“A Pomba”, publicação marginal-literária brasileira, saiu irregularmente entre setembro de 1970 e julho de 1972. Estávamos em plena ditadura militar. Irreverente enquadrava-se num conceito alternativo de publicação, que nasceu de uma “atitude política” , como explicou a jornalista e escritora Elvira Vigna ao Som à Letra. Confira a entrevista.

Por Irene Mónica Leite

A revista “A Pomba” foi feita dentro da casa de Elvira Vigna. Era lá que funcionavam as editoras Poster Graph e Bonde. A primeira editava revistas, a segunda, livros.

Elvira Vigna “não participava muito de suas decisões editoriais.Fiquei mais com a produção e com os livros da Editora Bonde”, adianta a jornalista e escritora no seu site oficial.

Houve várias publicações do tipo sob a ditadura militar. “No final, fizemos as outras, sempre pela Poster Graph”, confidencia Elvira Vigna.

1–Como e quando surgiu a ideia para “A Pomba”?

Eu e meu então companheiro, Eduardo Prado, perdemos nossos empregos ao mesmo tempo. Resolvemos fazer uma editora para sobreviver, já que conseguir outro trabalho seria difícil. Éramos jornalistas e era a época da ditadura militar brasileira.

2-O que vos motivou a criar esta publicação?

Uma atitude política.
Nossos empregos eram em uma revista de nu feminino, a ‘fairplay’. Resolvemos fazer uma paródia da ‘fairplay’ usando a nudez de forma política:
– a nudez não seria só a feminina, como de hábito, mas também masculina, o que foi um escândalo;
– a revista não teria uma aparência luxuosa, com papel brilhante e em cores, para ‘ricos’;
– contrataríamos modelos não aceitos pelo establishment, como negros, pessoas com corpos comuns e cenários cotidianos;
– os assuntos atacariam o pensamento dominante, mas de modo a que a censura não pudesse proibir: escrevíamos sobre o nazifascismo, psicanálise,fazíamos ironias com a moral burguesa, púnhamos fotos de mendigos como um contraponto à propaganda oficial do ‘milagre brasileiro’ etc.

3-Que princípios orientavam a vossa acção no início da década de 70?

Queríamos poder exprimir maneiras de ser e viver, pensamentos e hábitos considerados ilegais.

4-Ao analisar a escrita e o grafismo identifico uma fresca irreverência . Foi difícil mantê-la em tempos conturbados?

A dificuldade não era exercê-la, mas sustentá-la economicamente. A revista não se pagava e não conseguíamos anunciantes.As empresas tinham medo de associar sua marca a publicações da imprensa marginal. Foi um problema de todas as publicações da época com esse perfil.

5-Como funcionava a vossa rotina? A sua casa era o centro da criatividade…

A casa era aberta.Ninguém fechava a porta.
O edifício estava em construção e, na verdade, ainda não tínhamos licença da prefeitura para habitar o apartamento em obras.Então era um movimento constante o dia inteiro e não só de jornalistas, mas também de pedreiros e operários da construção do edifício.
Não tinha nada que pudesse ser chamado de ‘rotina’.

6-Guarda alguma história que a tenha marcado em particular sobre esta publicação?

O desenhista argentino quino, da personagem em quadrinhos mafalda, nos visitou um dia. Ele errou o apartamento (justamente pela dificuldade em entrar em um edifício ainda em construção). Minha prancheta ficava de frente para a janela que dava para o outro apartamento do andar.Quando levanto os olhos, tem aquela pessoa acenando freneticamente para mim, do outro apartamento, perguntando como fazer para ir até lá.

7-Tinham percepção da receptividade do público?

Tínhamos amigos.Os amigos gostavam, participavam, nos divertíamos muito. Fizemos amigos novos. Mas hesito em chamar nosso grupo de ‘público’.

8-Como recorda os tempos desta publicação?

Risadas e mais risadas, inclusive da censura, que liberava as edições para a gráfica sem notar que quando falávamos do nazifascismo alemão estávamos falando deles.

9-Que conselho dá aos mais jovens que se aventurem em novos projetos jornalisticos de forma empreendedora?

A editora faliu. Acho que não vou dar conselhos.

10-O ultimo número de “A Pomba” contou com a Elvira como coeditora. Como foi a experiência e despedida?

Já sabíamos do fim. E o grupo se dissolvia. Então foi a parte triste de uma história alegre.

11-Refere no seu site oficial que partilha as edições desta revista porque se referem a uma parte da sua vida. É algo que deixou marcas para sempre , portanto. Há alguma lição desta grande aventura a destacar?

Esse cenário do edifício em construção e o clima dessas pessoas nessa época foram transcritos de forma rápida, não central à trama, no meu livro ‘o que deu para fazer em matéria de história de amor’. Lá está, por exemplo, o pôquer que jogávamos e como era exatamente esse apartamento.

Elvira Vigna: perfil

Na carteira de trabalho sou jornalista.
Trabalhei por diversos períodos em O Globo, para a Folha de São Paulo na época em que morei no exterior, para O Estado de São Paulo de 1999 a 2003. O último foi o Jornal do Brasil, onde publiquei artigos sobre arte contemporânea até o fim de 2006. Em 2007 passei a publicar os artigos no site Aguarrás (ISSN: 1980-7767), até fechar. Depois foi no Études Lusophones da Sorbonne IV (em português).
Fui também editora.Minha editora, a Bonde, durou cinco anos, a revista marginal-literária A Pomba, que mantive com Eduardo Prado, um pouco menos. Em 1988 abri uma empresa de traduções, a Earte, que funciona até hoje.
Em 2003, entrei em uma escola de cinema, a Darcy Ribeiro (RJ) onde completei o curso de roteiro.
Como exercício, roteirizei livros meus. Já havia sido co-roteirista há muito tempo, ajudando o Edu no Balada dos infiéis, de Geraldo Santos Pereira.
Meus primeiros livros foram dirigidos a crianças e jovens.
Depois, parei de escrever livros, ficando só com jornalismo.
Quando voltei aos livros, escrevia para adultos e não mais para crianças.
‘Sete anos e um dia’, meu primeiro romance, é de 1988 e fala sobre um grupo de amigos durante os sete anos da abertura política brasileira. Fora de catálogo, ele está aqui no site, texto integral.
Nasci no Rio de Janeiro em 1947 .

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