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O Projecto Azul : “Desde o meu regresso, nunca parei de fazer música”

O Projecto Azul : “Desde o meu regresso, nunca parei de fazer música”

“Planet earth is blue and there´s nothing I can´t do” diz o nosso saudoso camaleão David Bowie, alusivo à sua personagem “Major Tom”, de quem grande parte do mundo ficou orfã em 2016, na despedida terrena magistral, eterna no álbum “Lazarus”. Esta influência/estética marciana não se esgota em contornos “Bowianos”, mas também noutros projetos. O “Projecto Azul” constitui um exemplo a nível nacional.

Texto/Irene Mónica Leite

Fotos/João Gargate

Comecemos pelas origens deste projeto: o Projecto Azul nasceu no final dos anos 70. “Inicialmente era um duo com o nome ‘Triangle’, eu e um amigo meu que era baterista. Após esse meu amigo ter abandonado o projecto, mudei o nome Projecto Azul, tendo continuado como o único membro do mesmo, até hoje. O nome foi inspirado no livro ‘Project Blue Book’ (Projecto Livro Azul)”, começa por explicar à Scratch Magazine o músico João Gargate.

Esteve 15 anos na Alemanha, fase que encara como “enriquecimento musical e tecnológico, e humano. O meio musical alemão, funciona um pouco como aqui: sem cunhas e uma boa promoção não há nada para ninguém. É um país com muita diversidade musical, e uma concorrência sem precedentes. Os alemães sempre tiveram a tendência da perfeição, daí que… tive de me “desenrascar” para evoluir musicalmente, não que fosse uma obrigação, mas foi uma necessidade positiva, que também me ajudou e libertou na forma de compor/criar/produzir. Resumindo ; 15 anos muito positivos e enriquecedores, muitos contactos, colaborações e experências com musicos excepcionais”, vinca.

E acrescenta: “Desde o meu regresso, nunca parei de fazer música. Trouxe o meu equipamento, que ocupou metade de um camião TIR… e algumas caixas cheias de “Whiskas”, a comida para os gatos era baratissima (risos). Montei o meu estúdio, e desde então tenho continuado a fazer novos temas. Fiz algumas produções para outros músicos, e colaborações, etc. Nunca desisti, embora actualmente esteja a atravessar um período dificil, mas será ultrapassado. Fiz alguns concertos desde o regresso a Portugal; Palácio de Belmonte, em Lisboa. Ginásio Clube de Corroios, e como guitarrista numa banda da qual fiz parte no final da mesma, os “XL”, no Seixal …”

 

Algum concerto ao longo da sua carreira, que o tenha marcado especialmente na memória?

O concerto de despedida antes de ir para a Alemanha, no Rock Rendez Vous em 1985. O concerto em homenagem a um amigo R.I.P. de Corroios, no Ginásio Clube de Corroios (conjuntamente com mais três bandas) em 2018. E o concerto no Palácio de Belmonte, na apresentação de um livro de uma amiga minha, escritora. Bem… já são três, e era só um. É difícil dizer qual foi o concerto que mais me marcou, foram todos, cada um deles com a sua característica. …

A composição de bandas sonoras é outra das suas paixões. Como caracteriza esse processo criativo em concreto?

A minha segunda paixão musical, muito especial para mim, é compor bandas sonoras. Comecei muito cedo a compor musica para teatro e para aberturas de exposições de pintura. Trabalhei com vários grupos de teatro, e fiz a sonorização para várias peças, tocando a música ao vivo, enquanto as mesmas decorriam; cito por exemplo uma peça de Samuel Beckett numa das torres do polémico centro comercial das Amoreiras, na sala de concertos num dos pisos, em 80 e picos.

Ainda nos anos 80 fui convidado por vários pintores, nacionais e internacionais, para abrir exposições, executando a música ao vivo; cito vários concertos na Sociedade Nacional de Belas Artes, entre outros locais/galerias.

Fiz imensos trabalhos para performance, em especial com membros da corrente “Os novos selvagens”. Na Alemanha também fiz várias bandas sonoras, sendo uma delas editada em CD para uma artista alemã, contorcionista. Diversos trabalhos para documentários televisivos, spots publicitários etc. Como também escrevo guiões para filmes fictícios, escrevo paralelamente a música para os mesmos, e há também um CD editado sobre os mesmos.

Tenho em curso um projecto enorme, sobre um filme de ficção cientifica em curso desde há 8 anos. Um guião complicadíssimo, e paralelamente a música. Um tema foi incluído nesse CD de bandas sonoras, que editei na Alemanha, tema esse que anteveu o guião.

Trabalhou, na Alemanha, com o projeto “Call of The Wind”. Como recorda essa experiência?

“Call of the Wild” e “Y-Knot” foram duas bandas com as quais colaborei como guitarrista/teclista e produtor. A primeira foi das que integrei por mais tempo, cerca de oito anos. Foi uma experência fantástica, e concertos deslumbrantes. Fizemos centenas de concertos para milhares de pessoas, chamados “Open air´s” , qualquer coisa do género Nos alive, em palcos enormes e multidões vibrantes. Nunca toquei com tanta paixão as minhas guitarras, ao vivo. Editámos um CD, e vários videos, etc. Uma experiência enriquecedora e inesquecível de grande dimensão.

Primeiro grande amor: sintetizadores ou guitarra?

Primeiro grande amor: sintetizadores, sem dúvida, porque foi o começo de tudo. Depois veio a guitarra sintetizada e os diversos pedais de efeitos que a completavam, muitos deles construídos ou modificados por mim. Segundo grande amor; a guitarra eléctrica, que acabou por marcar o meu estilo principal… um amor perfeito, tipo alma gêmea. 

Há algum concurso de talentos português atual com o qual se identifica e vê a importância de um Rock Rendez Vous?

Existem vários concursos de música moderna espalhados por divérsos pontos do país, felizmente. Não são muitos, de facto, mas existem.
De salientar, o Concurso de Música Moderna de Corroios, com vários anos de existência, é uma referência importante a nível nacional. É um concurso que abrange todas as bandas, de norte a sul. Trabalhei nele durante dois anos, como técnico de som e fazendo parte do júri. Recebíamos dezenas, quase centenas, de maquetas, as quais foram sempre difíceis de selecionar, devido à excelente qualidade dos trabalhos apresentados. Existem bons projectos musicais em Portugal, tive o prazer de testemunhar isso, foi uma experiência fantástica que não esquecerei.
É um concurso gerido e organizado por pessoas que nunca desistiram da sua continuação, pessoas que sempre lutaram contra todas as intempéries para defender a música moderna em Portugal. É um trabalho árduo, por amor á camisola, por assim dizer.
Este ano foi interrompido devido á pandemia, mas continuará para o próximo ano, e oxalá que por muitos mais anos!
Portanto, este é o concurso que destaco, na minha opinião.
Quanto à sua questão ; sobre ver ou imaginar a existência de um novo RRV, acho que há coisas que são impossíveis de repetir, porque aconteceram uma vez, e não há duas coisas iguais. O RRV era único e teve o seu tempo, repeti-lo nunca será a mesma coisa. Há a boa vontade de criar salas de concertos acessíveis a todos os músicos, e existem algumas espalhadas pelo país. Refiro novamente Corroios, que tem uma casa excelente, apesar de pequena, mas sempre foi acolhedora a projectos musicais vindos de todo o lado ; cito o “Holywood Spot”, com concertos todos os fins de semana. É uma referência a conhecer e visitar.

Balanço da carreira até ao momento

O balanço é positivo, sou um músico que adora ouvir os seus registos do passado. Amo tanto o que  fiz, como o que faço actualmente. Sempre que ouço um tema meu antigo, sinto-o com a mesma emoção como quando o criei. A minha música nunca me insatisfez, pelo contrário. Tenho muito amor próprio pelo que faço e fiz.

Planos Futuros …

… I don´t know. Who knows? Dizer que não temos expectativas é uma pura mentira… falar do futuro é outra coisa. Eu não conheço o futuro, nem nunca o conheci, nem quero conhecer. Até eu para o futuro sou um desconhecido. … Obrigado por toda atenção, a quem colocou as perguntas e a quem irá ler as respostas. Respondi dentro do meu improviso, tal como quando componho, e assim ficou. … O meu obrigado e um bem haja!

A ligação ao Rock Rendez-Vous

“Recordo e recordarei esses tempos enquanto viver, pois foi das fases mais marcantes do meu projecto musical. Era a minha casa de eleição, onde sempre me senti confortávelmente bem. Todo o staff era uma verdadeira família, gostavam muito do meu trabalho. Sempre me apoiaram, no que estava ao alcance deles. Momentos verdadeiramente bons e únicos, que ficam para sempre, nas nossas vidas”, recorda.

Para João Gargate, o Rock Rendez Vous foi “a catapulta de lançamento da grande maioria da música moderna portuguesa, e não só. Foi importante para quem por lá passou e actuou. Revelou o que era desconhecido e elevou o que já o era antes. E até houve bandas/projectos que foram criados/inspirados no RRV, específicamente para actuarem lá, nem que fosse por uma só vez. Tal era a magia que aquela casa tinha. São raros os músicos que hoje em dia não referenciem o RRV nas suas carreiras musicais, à excepção de gerações que nasceram depois. O boom da música portuguesa dever-se-á sempre ao RRV, portanto, fará sempre parte dela”, conclui o músico.

 

Revisitando a evolução do Projecto Azul através da música, e memória fotográfica

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