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Carimbó Cobra Venenosa apresenta a lenda da “Flor de Mururé”

Carimbó Cobra Venenosa apresenta a lenda da “Flor de Mururé”

Um menino, que saiu vestido de menina, foi agredido e teve seu corpo jogado nas águas dos rios da Amazónia. Ao emergir, voltou em forma da flor de mururé, uma planta aquática com características femininas e masculinas, de origem amazónica, muito comum na região do Afuá (Ilha do Marajó – PA).

Essa é a lenda da “Flor de Mururé”, repassada de forma oral pelas antepassadas de Naraguassu Pureza da Costa (54 anos), uma figura lendária do Afuá, que manteve viva a tradição ancestral da pajelança amazônica, conforme contextualiza nota enviada às redações.

Com inspiração na lenda e com a música “Flor de Mururé”, o grupo paraense Carimbó Cobra Venenosa lança seu primeiro videoclipe, em formato de curta-metragem, dirigido por Marcos Corrêa e Priscila Duque. A obra é uma ode à beleza, às encantarias e ao poder feminino amazónico.

A sua narrativa apresenta um episódio ficcional de violência, tendo como protagonista Gabriela Luz, atriz e travesti, que realizou, com a gravação de “Flor de Mururé”, o seu primeiro trabalho logo após a transição de género. A trama, permeada pelo afrofuturismo amazónico, mistura elementos documentais e ficcionais com pitadas de surrealidade. O vídeo traz também, como personagens, as Orixás femininas Iansã, Oxum e Iemanjá.

“O mais valioso no processo do clipe é a questão da periferia como potência. É a reunião de pessoas de diferentes idades e géneros na equipa e no elenco. Foi uma escolha política ter pessoas desse universo, ninguém foi levado para gravar em Icoaraci e Outeiro”, explica o co-diretor Marcos Corrêa.

“Quando você coloca no Google ‘Icoaraci’, o que mais aparece são os crimes e as violências. A gente quer mostrar que nesses lugares também tem belezas: nas imagens, na praia, na natureza, mas também nas pessoas. No sorriso de uma mulher cozinhando maniçoba no quintal da sua casa, de crianças brincando. Isso é extremamente potente: mostrar o olhar dessas pessoas periféricas, exibindo a sua beleza para o mundo”, conclui.

Refira-se que a música “Flor de Mururé” foi criada a partir da história contada por ancestrais de Naraguassu Pureza da Costa. A composição é assinada não só por Naraguassu Pureza da Costa, mas também por Luana Peixe, Lana Beatriz Lima, Luah Sampaio Nogueira, Erika Mayane Bonifácio Ramos, Dandara Nobre de Oliveira Nascimento, Eduarda Gama Canto (fundadoras do coletivo Vacas Profanas). Com os ritmos lundu e carimbó, a música faz parte do repertório do Carimbó Cobra Venenosa desde que foi criado, em 2016, e está presente no seu primeiro álbum, homónimo, lançado em 2020. Para o clipe, ganhou uma nova roupagem.

“É mais que uma música, é um mantra de força, uma oração encantada que conecta as pessoas à questão de género. Os versos se desenhando em ritmo movimentam o corpo e nos estimulam uma sensação de liberdade, experimentada na cadência do lundu e do carimbó. Sentimos os tambores. Sentimos a presença da mata. Das águas. Sentimos a força dos encantados, das entidades, dos orixás, ao mesmo tempo que vibramos em uma contemporaneidade que experimentou anos de ocupações, ações coletivas, artivismo, performances e rodas em celebrações e protestos”, descreve Priscila Duque, co-diretora do clipe e líder do Carimbó Cobra Venenosa .

“Flor de Mururé” é mais que uma música. É mais do que uma lenda da tradição oral de uma família da região amazónica. É a narrativa de existências e resistências reais, mas com os sonhos alimentados com fantasia, encerra a mesma nota.

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